terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

As Escolas Invisíveis
(José Pacheco, Folha de São Paulo, Novembro de 2005)



Perguntam os meus patrícios por que razão eu viajo tanto para o Brasil. E eu explico. Se comparadas ao Brasil, as escolas europeias dispõem de melhores recursos. Porém, acumulam-se as teses sobre o mal-estar docente, sem que se vislumbre a cura para a maleita dos professores. As escolas do "primeiro mundo" converteram-se ao digital, mas mantêm e reforçam práticas de ensino obsoletas. Os excelentes profissionais que elas albergam possuem saberes suficientes para romper o círculo vicioso do insucesso, mas o insucesso mantém-se e prospera. As escolas portuguesas têm meios para se afirmarem como espaços de democratização, mas estão acomodadas, cínicas.Sem dualismos maniqueístas, é preciso afirmar que há, no Brasil, muitos professores que dão sentido às suas vidas, dando sentido à vida das crianças e das escolas. Sinto-me um privilegiado por, após três décadas de trabalho numa escola que ousou provar que a utopia é realizável, encontrar no Brasil tanta generosidade e responsável ousadia.


Em cada viagem, junto mais uma ou duas novas escolas ao já extenso rol. No extremo norte do país, um colégio busca a forma ideal de escola que dê a todos garantia do exercício da cidadania e de realização pessoal. Num hospital do sul, uma equipa de professores, técnicos de serviço social, animadores e voluntários suavizam os dias de crianças doentes. Num lugarejo perdido do Nordeste, a fé pedagógica faz milagres e produz um ensino que faria inveja de muito colégio (dito) de elite. Junto ao mar de Santa Catarina, crescem as paredes de uma escola sem paredes, que concretizará o sonho de um pequeno grupo de educadores. Em São Paulo, por detrás de um pesado portão protector, um jardim-de-infância feito à medida da criança comove o visitante mais insensível. Na periferia da grande metrópole, professores e pais juntam-se a amigos e pesquisadores, para dar forma a um projecto que transformou “salas de aula” em “espaços de estudo”. Numa escola do Rio, os sonhos de uma escola à medida do Homem ganham forma, fazendo das crianças pessoas mais sábias e mais felizes. Sob o "mar de Minas", uma mulher empenha-se na humanização de uma academia de polícia. Na Bahia, um homem bom reinventou modos de ensinar e aprender e um grupo de voluntários leva esperança a uma escola no interior de uma favela. Perto do lugar onde Cora viveu, a tenda de circo e a ágora resgatam a vocação da escola. Em pleno centro da capital, a diversidade cultural assume contornos reais, uma fundação procura respostas para os “diferentes”, e uma ONG suporta a humanização do sistema de relações numa escola antes condenada à desactivação.

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